quinta-feira, 3 de abril de 2014

Brincar com o tempo dos outros nos semáforos

Esta semana, estava eu a descer a pé a Avenida Duque de Ávila em Lisboa, pelo seu lado direito (notícia-choque: eu não ando sempre em cima de uma bicicleta!), quando cheguei ao semáforo que me permitia passar para o lado que dá acesso à Avenida da Liberdade. Ao chegar, verifiquei que o semáforo estava vermelho e já estava uma pessoa parada à espera. Estava também um carro parado no semáforo, igualmente vermelho. Todos esperámos e... nada. Nenhum dos vermelhos passava a verde. Outras pessoas a pé aproximaram-se da passadeira e após esperar dez segundos atravessaram a correr. Eu e quem já lá estava aguentámos estoicamente. E continuámos a esperar, a esperar... Finalmente, o verde caiu. O verde para peões, entenda-se.

Tínhamos estado ali a olhar para o semáforo e a obedecer-lhe com cidadania paciente, mas afinal percebemos que o semáforo está-se nas tintas para os peões e manda-os parar só porque gosta de os ver do lado de lá enquanto os automóveis estão com o semáforo igualmente vermelho. Ou talvez o programador do semáforo queira proporcionar-nos um momento de pausa, de reflexão no buliço da vida citadina ou quiçá ainda uma história de amor com o vizinho atravessador. Nesta cidade tudo é possível.

Mas o que é verdade é que, em consequência, as pessoas deixam de acreditar nos semáforos. E quem chega à passadeira e vê o vermelho para peões nunca sabe se o verde para os automóveis vai abrir entretanto ou se vão ali ficar especadas à espera sem justificação, a perder o próximo comboio de metro, o próximo autocarro ou ser despedidas por um atraso que foi a gota de água. Como percebem que há um erro na configuração do tempo, atravessam mesmo no vermelho. Dá-se a quebra de confiança no sistema.

Veja-se que até perdi ainda mais tempo a filmar o que descrevo (segue-se um vídeo mal filmado - mas muito arty -  com o meu telemóvel, onde não conseguimos perceber se está ou não vermelho para carros e pessoas ao mesmo tempo. Mas ponho-o na mesma, que um vídeo dá sempre um ar janota a qualquer blog, que é o que isto é):


Eu comecei a filmar no momento em que ficou vermelho para automóveis. Em oito pessoas, apenas uma faz o compasso de espera, aguardando o sinal verde quase até ao fim (quando desiste de ser lorpa). As outras já devem saber com o que contam daquele sinal e fazem algo que é... proibido. Cá estão os loucos dos peões a atravessar no vermelho e a serem culpados de serem atropelados. Acendeu o verde para peões 2 segundos antes do fim, o que dá cerca de um minuto de espera inconsequente.

Enquanto observava este exemplo da má gestão semafórica que despreza as pessoas a pé, ocorreu-me voltar a utilizar o site de denúncias de ocorrências da Câmara Municipal de Lisboa que serve precisamente para este fim, o Na Minha Rua. Descrevi no último post como ele funciona bem e a tempo, mas eu queria dar outra oportunidade ao sistema, porque podia eu ter tido azar.

Ao pesquisar no mapa da dita ferramenta o local em causa para pôr o pin, reparei que já havia alguns na zona. Fui clicando até que:


OCO/8471/2012 Avenida Duque de Loulé
OCORRÊNCIA: Semáforos e Sinais luminosos em falta ou para manutenção
DESCRIÇÃO: Não é mínimamente admissivel impôr aos peões desperdício de enormes tempos de espera, quando também o transito automóvel se encontra impedido de circular.
Refiro-me, nomeadamente ao atravessamento dos peões na A.Dq.Loulé no local em que esta desemboca no Marquês. Nem os peões atravessam, nem os carros avançam para a Rotunda.

ESTADO: Em análise
RESPONSÁVEL: Câmara Municipal de Lisboa

Já um ilustre indignado se tinha apercebido do mesmo problema e queixado no portal que a CML recomenda ser o melhor para o efeito... em 2012. Na melhor das hipóteses, o semáforo está assim há um ano e três meses, sem que nada tenha sido feito. A queixa está em análise.

Deduzo que o semáforo está assim desde que foi colocado aquando da inauguração das obras do Marquês de Pombal, com aquele episódio caricato da falta de caleiras para a água. Se não se lembram, sigam o link (é de mais reformados destes que o país precisa e, veja-se, ele tinha razão). Um ano e seis meses de semáforo mal temporizado, and counting.

Já agora, para quem acha que um minuto de espera escusada não é nada de especial, sugiro que parem tudo agora mesmo e contem 60 segundos. Quem passar do 20 ganha o prémio Pachorrento do Ano:


Vidas destas não há muitas, convém aproveitá-las.