quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Pedalar é no meio da estrada II

No post anterior, abordei o enquadramento legal que permite aos ciclistas circular no meio da via.

Já agora, um esclarecimento: optei pela título "Pedalar é no meio da estrada", de forma a chamar a atenção para o assunto, dado que normalmente as pessoas mais inexperientes (incluindo muitos ciclistas) acham que é suposto circular-se totalmente encostado à berma. Normalmente fazem-se notar buzinando fortemente ao ciclista que circule mais afastado da mesma. Uns amores. Mas não que o local apropriado seja sempre o meio da via. Mas esse pode ser, em muitas circunstâncias, o local mais adequado, como resulta do desenho abaixo:

Desenho de Bekka Wright, Bikeyface



No fundo, deve circular-se no meio ou perto do meio da estrada por uma combinação de razões que levam a que seja sempre mais seguro para o ciclista que assim previne situações em que possa ficar em perigo. Lembremo-nos que um ciclista é totalmente vulnerável a actos fortuitos, pelo que deve conduzir de forma preventiva para que o acidente seja sempre a hipótese o mais remota possível. É muitas vezes difícil explicar esta realidade a quem nunca andou de bicicleta numa cidade, ou a quem anda mas sempre a velocidades muito baixas, mas vou dar um exemplo a partir da espectacular imagem abaixo, retirada da página que se vê na marca de água da mesma:



Que grande estilo! Era assim que se vivia, no antigamente. Vamos supor (acompanhem-me na forte dose de fantasia) que a senhora  está fixa ao automóvel e que não cairá de forma alguma em aceleração, travagem ou curva. Agora, imagine-se que é a senhora quem controla o carro e que vai atravessar, sentada nele, a cidade. No mínimo, uma cena muito rock&roll. Mas de que forma podemos supor que conduziria? à mesma velocidade habitual? Desceria uma avenida a 70km/h, com um automóvel na sua frente a cinco metros de distância? Circularia encostada a bermas, onde há carros estacionados ou sem visibilidade, que saem às vezes sem olhar, ou abrem uma porta? Pararia a centímetros do carro da frente? O que acham?

Em meu entender, as pessoas conduzem os automóveis muitas vezes de forma arriscada, porque não têm a noção do perigo real. O automóvel isola a pessoa do mundo exterior, filtrando-o, levando o seu condutor a abstrair-se do que o rodeia. O facto de estarem rodeados de metal, sistemas de defesa e segurança dá-lhes (e a mim também, não sou diferente) uma hiper-confiança que as leva a correr riscos que nem sempre são medidos. Também porque na maioria das situações, se vier a ocorrer um acidente, e for um carro o outro envolvido, há uma boa probabilidade de ser "só chapa". E se for com uma bicicleta?

Com uma bicicleta, nunca é "só chapa". A única coisa que protege o seu condutor é o seu próprio corpo, pelo que o factor mais importante na condução é claro:

Evitar que acidentes ocorram. 

Um ciclista inteligente actua sempre de forma preventiva, mesmo que isso signifique infringir a Lei. Porém, no que toca a circular ou não na berma da estrada, esse problema não se coloca, visto que como referi no post anterior, a obrigatoriedade de circular à direita da via não significa exactamente encostado à berma. Aliás, se repararem, nem os automobilistas prevenidos o fazem. Mas porque é que as bicicletas devem circular a pelo menos um metro da berma?

Várias razões:

Algures na Estrada de Benfica, em Lisboa
  • É à direita que estão os escoadores das águas pluviais. As ranhuras destes são muitas vezes mais largas do que os pneus das bicicletas, pelo que estes podem ficar lá presos. Também nunca se sabe quando é que se pode apanhar um destes escoamentos com a tampa "desaparecida" ou partida e portanto um buraco enorme onde um ciclista cairia aparatosamente. Acham isto estranho? Imagine que vai a pedalar encostado/a à tal berma, e no preciso momento em que um automóvel o/a está a ultrapassar depara-se com um buraco. Era de noite e só reparou nele quando estava a dois metros. Que aconteceria? 


Na mesma Estrada de Benfica, uns metros mais à frente do buraco anterior, uma placa partida.

Ou seja, deve-se circular pelo menos à distância que permita evitar estes perigos. E nem todos os escoadores estão tão encostados à berma quanto estes.

...continua.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Mais 17,9% de mortes na estrada em 2012

A auto-sociedade é uma doença e as estatísticas servem para sermos manipulados

...mas não segundo a ANSR, com notícia do Público

Em primeiro lugar:

É totalmente incompreensível que se deixem sair estes dados, que têm uma contabilização até Setembro e depois se faça uma referência ao ano de 2012. Se a contagem não é anual nem refere ainda os mortos a 30 dias, não é correcta, ponto. Faz bem o Público em indicar que faltam dados muito relevantes (em 2010 - ano em que estes dados passaram a ser incluídos - , só os mortos a 30 dias foram 197, o que quer dizer que os mortos em consequência de acidentes nos anos anteriores foi ainda maior do que o registado e já era escandaloso), mas não chega.

Divulgar dados dizendo que correspondem ao ano, não incluir dados de 3 meses desse ano, e depois dizer que "Em 2012 morreram 580 pessoas nas estradas em Portugal continental, o que significa uma redução de 15,8% face ao ano anterior." é factual e jornalisticamente falando errado e um logro.

Em segundo lugar:

Façamos as contas. Quantos foram os mortos nas estradas portuguesas até Setembro de 2011, sem contar com as mortes até 30 dias depois do acidente? A ANSR responde: 492, de acordo com os seus registos (soma das mortes registadas nos meses de Janeiro a Setembro, inclusive).

Vítimas Mortais consoante o mês, em 2011

Meses   Mortos
Janeiro 67
Fevereiro 48
Março 56
Abril 50
Maio 45
Junho 51
Julho 59
Agosto 65
Setembro 51
Total 492
Fonte: ANSR


Segundo a contagem relatada pelo Público, a contagem deste ano no mesmo período (Janeiro-Setembro) resulta em 580, ou seja:

MAIS 88 MORTOS EM 2012.

Portanto, AS MORTES NAS ESTRADAS AUMENTARAM EM PORTUGAL NO PERÍODO CONSIDERADO EM 17,9%, ao contrário do que noticia o Público.

Portanto: a ANSR quer ficar bem na fotografia, nem que com isso manipule a informação de forma grosseira. O Público não se dá ao trabalho de confirmar o que o organismo diz e publica para a posteridade uma notícia que é desde logo incorrecta porque não se chamam dados anuais a contagens que não incluem todos os meses.